domingo, 18 de janeiro de 2009

A Alegoria da Caverna / Diálogo entre Sócrates e Glauco

THE CAVE (filme de animação III): Uma adaptação
da Alegoria da Caverna, de Platão. em barro
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Extracto de "A República" de Platão. 6ª Ed. Atena, 1956


Sócrates: Agora imagina a maneira como segue o estado da nossa natureza relativamente à instrução e à ignorância. 
Imagina homens numa morada subterrânea, em forma de caverna, com uma entrada aberta à luz; esses homens estão aí desde a infância, de pernas e pescoços acorrentados, de modo que não podem mexer-se nem ver senão o que está diante deles, pois as correntes impedem-nos de voltar a cabeça; 
a luz chega-lhes de uma fogueira acesa numa colina que se ergue por detrás deles; entre o fogo e os prisioneiros passa uma estrada ascendente. 
Imagina que ao longo dessa estrada está construído um pequeno muro, semelhante às divisórias que os apresentadores de títeres armam diante de si e por cima das quais exibem as suas maravilhas.


Glauco:  Estou a ver Sócrates – 


Sócrates:Imagina agora, ao longo desse pequeno muro, homens que transportam objectos de toda  a espécie, que os transpõem: estatuetas de homens e animais, de pedra, madeira e toda espécie de matéria; naturalmente, entre esses transportadores, uns falam e outros seguem em silêncio.(…) 
Assemelham-se a nós. E, para começar, achas que, numa tal condição, eles tenham alguma vez visto, de si mesmos e de seus companheiros, mais do que as sombras projectadas pelo fogo na parede da caverna que lhes fica defronte?


Glauco: Como, se são obrigados a ficar de cabeça imóvel durante toda a vida?

Sócrates:  E com as coisas que desfilam? Não se passa o mesmo?(…)  Portanto, se pudessem comunicar uns com os outros, não achas que tomariam por objectos reais as sombras que veriam? (…) E, se a parede do fundo da prisão provocasse eco sempre que um dos transportadores falasse, não julgariam ouvir a sombra que passasse diante deles? (…) Dessa forma, tais homens não atribuirão realidade ao que não passa das sombras (…)?


Glauco:  Assim terá de ser.


Sócrates:- Considera agora o que lhes acontecerá, naturalmente, se forem libertados das suas cadeias e curados da sua ignorância. Que se liberte um desses prisioneiros, que seja ele obrigado a endireitar-se imediatamente, a voltar o pescoço, a caminhar, a erguer os olhos para a luz: ao fazer todos estes movimentos sofrerá, e o deslumbramento impedi-lo-á de distinguir os objectos cujas sombras via dantes Que achas que responderá se alguém lhe vier dizer que até então não viu senão fantasmas, mas que, agora, mais perto da realidade e voltado para objectos mais reais, vê com maior justeza? Se, enfim, mostrando-lhe cada uma das coisas que passam, o obrigar, à força de perguntas, a identificar o que vê? Não achas que ficará perturbado e que as sombras que via outrora lhe parecerão mais verdadeiras do que os objectos que lhe são agora mostrados?


Glauco:   Muito mais verdadeiras.


Sócrates:E, se o forçarem a fixar a luz, os seus olhos não ficarão magoados? Não desviará ele a vista para a voltar para as coisas que pode fitar, e não acreditará que estas são realmente muito mais distintas do que aquelas outras que lhe são mostradas? (…).
E se o arrancarem à força da sua caverna, o obrigarem a subir a encosta rude e escarpada e não o largarem antes de o terem arrastado até o contacto com a luz do Sol, não sofrerá ele vivamente e não se queixará de tais violências? E, quando tiver chegado ao contacto com a luz, poderá, com os olhos ofuscados pela claridade, distinguir uma só das coisas denominamos verdadeiras?(…) Terá, creio eu, necessidade de se habituar a ver os objectos da região superior. Começará por distinguir mais facilmente as sombras; em seguida, as imagens dos homens e dos outros objectos que se reflectem nas águas; por último, os próprios objectos. Poderá contemplar mais facilmente, durante a noite, os corpos celestes e o próprio céu do que, durante o dia, o Sol e a sua luz. (…) Por fim, suponho eu, será o sol, e não as suas imagens reflectidas nas águas ou em qualquer outra coisa, mas o próprio Sol, no seu verdadeiro lugar, que poderá ver e contemplar tal qual é. (…) Depois disso, poderá concluir, a respeito do Sol, que é ele que faz as estações e os anos, que governa tudo no mundo visível e que, de certa maneira, é a causa de tudo o que ele via com os seus companheiros, na caverna.


Glauco: É evidente que chegará a essa conclusão.


Sócrates:  Ora, lembrando-se de sua primeira morada, da sabedoria que aí se professa e daqueles que foram seus companheiros de cativeiro, não achas que se alegrará com a mudança e lamentará os que lá ficaram?


Glauco: Sim, com certeza, Sócrates.


Sócrates: E, (…) como o herói de Homero, não preferirá mil vezes ser um simples lavrador, e sofrer tudo no mundo, a voltar às antigas ilusões e viver como vivia?


Glauco:- Sou de tua opinião. Preferirá sofrer tudo a ter de viver dessa maneira.


Sócrates: Imagina ainda que esse homem volta à caverna e vai sentar-se no seu antigo lugar: Não ficará com os olhos cegos pelas trevas ao afastar-se bruscamente da luz do Sol?


Glauco: Por certo que sim.Sócrates. 


Sócrates: E se tiver de entrar de novo em competição com os prisioneiros que não se libertaram das suas correntes, para denunciar essas sombras (…) não fará que os outros se riam à sua custa e digam que, tendo ido lá acima, voltou com a vista estragada, pelo que não vale a pena tentar subir até lá? E se tentar libertar e conduzir alguém para fora da caverna, esse alguém não o mataria, se pudesse fazê-lo?


Glauco: Sem nenhuma dúvida.


Sócrates:  Agora, meu caro Glauco, é preciso aplicar, ponto por ponto, esta imagem ao que dissemos atrás e comparar o mundo que nos cerca com a vida da prisão na caverna, e a luz do fogo que a ilumina com a força do Sol. Quanto à subida à região superior e à contemplação dos seus objectos, se a considerares como a ascensão da alma para a mansão inteligível, não te enganarás quanto à minha ideia, visto que também tu desejas conhecê-la. Só Deus sabe se ela é verdadeira. Quanto a mim, a minha opinião é esta: no mundo inteligível, a ideia do bem é a última a ser apreendida, e com dificuldade, mas não se pode apreendê-la sem concluir que ela é a causa de tudo o que de recto e belo existe em todas as coisas; no mundo visível, ela engendrou a luz; no mundo inteligível, é ela que é soberana e dispensa a verdade e a inteligência; e é preciso vê-la para se comportar com sabedoria na vida particular e na vida pública.(…)



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