domingo, 29 de janeiro de 2012

Tempus Fugit (...)


" (...) ressuscitar, se faz história: criar, se faz poesia." Victor Hugo

Desde a não existência do tempo, até ao tempo absoluto.

"O que é o tempo? Eu sei o que é o tempo, se alguém me perguntar, não consigo explicar."  Sto Agostinho 

 Texto: Maria Dulce Guerreiro
in "Hortelã Mastigada no Frio" / Colecção de textos poéticos


O tempo voa sempre para o presente. 
Imagem: Aiming for kafka

...para esta coisa de estar aqui, agora. Se fosse descrever tudo o que vejo e sinto, cada detalhe de cada coisa ao mesmo tempo, condensaria a divina palavra no  gargalo estreito da experiência humana.  No  presente,  passado e futuro, tocaria o mundo na afinação do encontro entre o mundo visto por mim há um instante, o passado que inspirou a sua existência e o seu futuro no esquecimento 

do meu olhar.


Eis o presente.
Imagem: Marta Cobos


Diante dos espelhos coloco a face e a espinal medula. Sou infinita no reflexo do reflexo do reflexo, interminável neste presente continuado, na cruel ousadia dos  espelhos que  me devolvem ao lugar intangível de mim, esse mistério onde todos os outros habitam. Múltipla e uma só no presente desta condição, renascimento entre passado e  futuro, entre duas belas mãos intocáveis, entre duas  ideias voláteis, uma ideia veio expressamente para jantar e partir, a outra veio procurar o amor na   imensidão  quartziana do crânio.

Há no ar uma espécie de rumor  que muda  a sua rota com o vento e eleva o batimento dos pulsos  que hasteiam a hora das aves.. É talvez também  criação do tempo que olha para o céu  com as veias corredias no sistema vascular dos astros. A luz que chega da lua e vem para mostrar  a gravidade da terra, viaja pelo espaço, antiga e cataclísmica, não saberemos se é  duração, uma qualquer oportunidade deve ser agarrada como agarraríamos
a eternidade.



Imagen: Zhangpeng


Tudo parece acontecer tão depressa, o terror, a surpresa, o amor, um dedo que não se mexe para tocar nos cabelos, a mão que se suspende sobre a individualização da idade, o vinho que apetece porque alegra ou dói, o cotovelo que roça o ombro na passagem para sentir a corporalidade da pele, as pernas que seguem em frente, os pés que dançam rumo ao futuro, ou param diante  do passado







Imagem: Dariusz Climczac (Journey)


O mundo em nano segundos
e ainda as lembranças que fazem parecer o passado terrivelmente vivo, terrivelmente presente, o tempo não se reconhece no seu lugar e ausenta-se
da casa 
deixando a criatura humana a vagar no  fio da incerteza das suas memórias.





O obturador,  abre, fecha, fica a tristeza registada na eternidade de um pensamento condensado
sem qualquer utilidade senão a de  brutalmente ter  aniquilado milhares de possibilidades.

Mas se um instante cessa,  outro começa. Na impercetível suspensão.entre uma e outra coisa   somos então a imagem,   sem respiração, parada. Quando as criaturas saem do  torpor das suas inquietantes  dimensões, as cinzas do passado voam para o infinito espaço da atenção em movimento, tudo torna à realidade para que o presente volte à casa com sua esperança de amar os dias em que tudo se mistifica e funde: alegria e dor, amor e ódio, coragem e cobardia, aves que trazem dos campos a liturgia da tarde e cães que atacam os caminhantes com seu uivo de medo ou nostalgia . 

Passam horas e horas pelos minúsculos cristais de quartzo, como diminutos grãos de areia horas vibram nos pulsos, desta diminuta vibração se fazem cicatrizes pendulares, dias
completos. 
Cada passagem do pêndulo, cada estreito caminho de areia, marcam uma noticia breve ou insuportavelmente longa. O coração vem com seus batimentos regulares representar o mundo que habita para além do relógio, esse mundo que gira à velocidade do homem livre  ou do homem fechado na sua amargura. Gota a gota, um só instante basta, para largar da mão a sanidade e enlouquecer.





Imagem: Nate Williams


Está sempre na hora de qualquer coisa. De acordar, de levantar, de almoçar, de andar, de parar,de  beijar o marido, a mulher, de ter desejo, cansaço. Se uns observam acordados, outros sonham.  Quando está na hora de sonhar, ninguém o diz , tudo é silêncio, a casa não saberia dizer que horas são sequer por um ostensivo sinal ou pela simples habilidade de um relógio de incenso




Imagem: Juan Miró
Nas torres das igrejas o tempo passa com os habitantes da cidade pequena e a temperatura do ar sem que ninguém dê pelos mistérios da grande solidão. A terra gira e a sua rotação completa leva 24 horas, percebemos que gira pela posição do sol e das estrelas, o mundo divide-se em fusos horários percorrendo longas distâncias para que a mente seja capaz de imaginar  no breu da sua noite o sol a levantar-se do outro lado.

Se o meio dia desliza  pelas planícies, pelos vales  e montanhas,  a terra enfrenta o sol de lés a lés, com a claridade que proíbe o medo. Onde quer que se encontre alguma sombra, aí, estará  também a luz. e o que nela se organiza. As semanas, os meses, os anos, os séculos, os milénios,  os dias tomam para si nomes de deuses, anjos e astros, em sete dias se criou o mundo, em menos se criaram os nomes das coisas, as quatro estações do ano, as quatro fases da lua, a costela de Adão, o seio de Eva, a maçã, o unicórnio.

Da  condição humana sabe-se que tem seu calendário de palavras, sonho e vigília, dúvidas, fé,  e a doce fantasia do amor. 

sábado, 28 de janeiro de 2012

Criaturas Míticas- Fénix


O Museu Americano de História Natural, organizou, há alguns anos,  uma exposição inusitada para um dos museus mais proeminentes do mundo. O tema  foram os dragões e outras criaturas do universo fantástico: Criaturas MíticasO seu objectivo não foi demonstrar que essas criaturas são, afinal, reais, mas chamar a atenção para a forma como os mitos e os arquétipos passaram a conviver connosco, para podermos dar sentido às coisas que não entendemos.

“É uma coisa que atravessa o tempo e as culturas. Estas criaturas nascem da imaginação dos povos como forma de explicar e dar sentido aos fenómenos e às maravilhas do universo natural, que assombram, parecem estranhas e confusas e são muitas vezes difíceis de interpretar ou explicar.”- Ellen Futter, Presidente do Museu.


A China antiga reverenciava quatro animais mágicos, benevolentes e espirituais: o Dragão, a Tartaruga, o Unicórnio e a Fénix.
Bestiário de Aberdeen. Manuscrito iluminado.
Fénix
É uma montada dos Imortais.

O mito da  Fénix, (do grego phoenix), surge na mitologia greco-romana e integra os mitos da antiguidade clássica.
 Provavelmente inspirada no pássaro bennu, cegonha ou garça divina da antiga mitologia egípcia, aparece em muitos textos egípcios  como um dos símbolos sagrados de Heliópolis,  Iunu para os egípcios e On para os gregos, mas por ambos os povos uma  cidade considerada o  centro simbólico da Terra.


Uma certa visão da  origem da vida defendia  que a essência vital, ( Hiquê) vinha de uma terra mágica e longinqua, conhecida como Ilha de Fogo. Este era um lugar de luz duradoura, onde os deuses nasciam ou reviviam para além do tempo, sendo daí enviados ao nosso mundo. A Fênix era o principal mensageiro dessa terra só acessível aos deuses,   trazendo desse  mundo onde a eternidade se manifesta, a  mensagem da luz e da vida,  perdida do homem comum, oculta  no desamparo das sombras primordiais. Ao terminar o seu vôo, a Fénix desceu em Heliópolis,  onde anunciou a nova era.




Bennu é "Aquele que veio a ser por si mesmo". "O Ascendente", "O Senhor dos Jubileus  Reais".
No livro dos Mortos,  o bennu diz: Eu sou o pássaro bennu, o coração-alma de Ra, o guia dos deuses para o Tuat,"
A ave aparece também associada  ao sol Nascente, ao ritmo quotidiano do sol  e ao Deus egípcio Ra, o deus do sol,  sendo considerada como a sua alma. e um dos símbolos sagrados das revoluções solares, intimamente ligadas aos grandes processos evolutivos da humanidade.






Surge igualmente como manifestação do deus Osiris  ressuscitado
Segundo relatos de Heródoto e Plutarco, trata-se de uma ave magnífica, de incomparável esplendor, com uma plumagem escarlate e dourada, um canto sobrenatural e uma longevidade extraordinária, possuindo a faculdade de renascer das suas cinzas, depois de se consumir pelo fogo num processo de auto combustão.  





O seu aspecto simbólico manifesta-se na sua associação à emergência cíclica da morte e da ressurreição, o ciclo que encerra em si o milagre da imortalidade, o triunfo da vida sobre a morte.
Por representar criação e renovação,  acompanha o calendário egípcio, sendo o Templo de Bennu  bastante conhecido pelos  muitos instrumentos usados para medir o registar o tempo. 


A  designação Fénix passou posteriormente a ser usada como tradução para  nomes de aves lendárias semelhantes, comuns noutras culturas. É a Fenghuang chinesa, a Hou-Ou japonesa,   o Pássaro de Fogo das lendas russas ou a Asimurgh da mitologia persa e sufi. Os árabes também a mencionavam na figura da ave cinomolgus, que construia o seu ninho com canela no topo das copas das árvores.  A todas estas aves mitológicas foi atribuído o poder de se incendiarem e renascerem das suas próprias cinzas.


quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

Dragão - Criaturas Míticas


"Talvez todos os dragões das nossas vidas  sejam  princesas que esperam ver-nos belos e corajosos. Talvez todas as coisas não sejam senão coisas sem apoio que esperam que as socorramos." 

R.M.Rilke (carta a um jovem poeta)


Ano do Dragão 



O Museu Americano de História Natural, organizou, há alguns anos,  uma exposição inusitada para um dos museus mais proeminentes do mundo. A temática foram os dragões e outras criaturas do universo fantástico: Criaturas Míticas: Dragões, Unicórnios e Sereias.  O seu objectivo não foi demonstrar que essas criaturas são, afinal, reais, mas chamar a atenção para a forma como os mitos e os arquétipos passaram a conviver connosco, para darmos sentido às coisas que não entendemos.

Dragão Azul - Símbolo do poder imperial /  Dinastia  Qin iniciada com o imperador QinShi Huang

 “É uma coisa que atravessa o tempo e as culturas. Estas criaturas nascem da imaginação dos povos como forma de explicar e dar sentido aos fenómenos e às maravilhas do universo natural, que assombram, parecem estranhas e confusas e são muitas vezes difíceis de interpretar ou explicar.”- Ellen Futter, Presidente do Museu.

A China antiga reverenciava quatro animais mágicos, benevolentes e espirituais: a Tartaruga, o Unicórnio,   a Fénix e o Dragão. 


De todos os animais mágicos reverenciados pela China antiga, O Dragão é possivelmente a criatura mítica mais popular. É descrito como um enorme réptil voador, feroz e indomável, que encarna,  em múltiplas culturas,  as forças elementares  da dualidade ,  tanto o  caos como a  ordem que integram o cosmos.


O Dragão é o Mestre do poder primordial: Fogo, Água, Terra e Ar, os quatro elementos que constituem a matéria. Como um Totem, é guardião dos  espaços infinitos e guia da consciência humana que rege os atos. 



A simbologia do Dragão, que emerge com sentidos opostos, representa o paradoxo  da própria condição humana – a  evidência da presença dos opostos: a luz e as sombras, o feminino e o masculino, a criação e a destruição.  



Mas, mais do que qualquer outro símbolo, o Dragão também personifica a força integradora, unificadora, desta dualidade. Em si mesmo não é nem mau ou bom, simboliza a energia que está na origem do mundo material, sendo o livre-arbítrio sempre o comandante das acções que podem contribuir para a ordem  ou para  o caos universais.



Cuspindo fogo, com as suas asas de pássaro e as suas escamas de peixe, também portador de equilíbrio e conhecedor dos mistérios da magia, podendo penetrar os altos planos do universo e os seus insondáveis abismos, personifica e unifica os quatro elementos do mundo antigo numa condensação capaz, tanto de nos exaltar a imaginação como de nos inquietar os sonhos.  

O seu arquétipo incentiva  ao contacto com a nossa natureza psíquica e com a lente capaz de descobrir e ver o maravilhoso. No campo da psicologia, Carl Gustav Yung trouxe o arquétipo do  dragão  para simbolizar o universo das emoções profundas  e o inconsciente. Para Yung e seus seguidores, é a  representação de algo que permite o encontro do self  com o supremo tesouro da sabedoria  do espírito.



No oriente, a simbologia desta criatura mítica sempre esteve associada aos aspectos positivos da energia primordial. O Dragão representa a união dos elementos ao serviço de um propósito benéfico. Unindo a água, na simbologia da serpente, ao ar, à  ave com as suas asas e à respiração essencial à vida,  o dragão representa a aspiração à unidade da matéria e do espírito. Contudo, na Era Cristã, tendo a serpente sido relegada ao papel simbólico da tentação,  o dragão passou a ser associado ao caos, a uma crua e bruta força destrutiva, o mal associado ao mundo da matéria. 
Aparece por vezes personificando a pureza a ser arrastada para o mundo das sombras.

 Ilustração dos soldados de Alexandre, o Grande, contra o terrível dragão.   Miniatura de manuscrito medieval .
Caracterologia do Dragão no universo  do maravilhoso e do fantástico.
Na Literatura Fantástica os Dragões aparecem desde o início como guardiões de tesouros, transmissores do conhecimento, soberanos nos mistérios da magia. Vem possivelmente da oralidade a crença em que eram mediadores entre deuses e homens, sendo autorizados a falar diretamente com os deuses. São muitas vezes representados prendendo nas garras uma grande pérola mágica, como um ovo, com o poder de multiplicar tudo o que toca. O ovo é também símbolo da Grande Sabedoria





Sobretudo, o Dragão aparece no universo literário do maravilhoso e do fantástico, como um amante da liberdade e da aventura, denota energia e coragem, oferendo forte proteção, não só em atitude, como agente no desmontar da trama, quando invocado. É especialmente protetor dos inocentes e rezam lendas que traz a segurança a todos os que guardam o seu ovo.




Fada.  Universo fantástico celta.
Os Dragões são, por norma,  na literatura ou até mesmo em qualquer outra expressão artística evocativa do universo fantástico, extremamente independentes e também muito criativos; frequentemente revelam-se sonhadores e estão invariavelmente destinados a grandes feitos que culminam em estrondoso sucesso. Quando o Dragão se predispõe a dar corpo aos seus sonhos não há limite para o que poderá vir a ser alcançado, tanto em proveito próprio como para o bem comum.
O Dragão guarda a magia das eras, é a representação última das forças da Mãe Natureza, a maior força divina na Terra, pelo que tem.o poder de penetrar todos os planos por onde se imagina que a alma possa deambular, por isso é descrito muitas vezes como uma criatura com poderes para afastar os maus espíritos e toda a qualidade de almas errantes.


Associados ao Dragão costumam vir também, no fio das lendas ou outras narrativas, a transformação, a sabedoria, longevidade, o infinito e o movimento através do espaço. Dragões podem voar e mudar de pele, renovam-se constantemente, representam o eu sobrenatural e infinito.



Exemplos da simbologia do Dragão:

Gnósticos: “O caminho que passa por todas as coisas”
Alquimia:  “Dragão Alado” os elementos voláteis: Dragão sem asas: os elementos fixos.”
China: “O espírito do caminho.” O que traz consigo a eterna mudança.




Guardião de “A Pérola refulgente”, símbolo da perfeição espiritual. e poderoso amuleto da sorte. Consta de alguns escritos que se trata de uma colossal pérola mágica com o poder de multiplicar tudo aquilo em que toca.  A pérola simbolizava o mais precioso dos tesouros. O conhecimento; 

Com a aculturação do mundo oriental, o Dragão tornou-se, hoje em dia, também a ocidente,  símbolo máximo de boa sorte, abundância, e prosperidade. 



Que o Ano do Dragão traga grande boa sorte ao Planeta Terra e à humanidade
Qual o homem 
que não aspira à liberdade?


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segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

“(…) ressuscitar, se faz história; criar, se faz poesia.”

“(…) ressuscitar, se faz história; criar, se faz poesia.” Victor Hugo




Parar, depois de muito caminhar, deixar de escutar a chicotada dos passos que sujeitam a vida à enfermidade do ruído. Não sabemos, por exemplo, explicar o medo de sermos felizes quando uma  alegria nos bate no peito para nos amar inteiramente. Habitar o espaço é necessário, há quem chegue de mansinho ou repentino e se comporte  como qualquer coisa no   limite de um espelho que engana  o tempo  nitidamente embaciado   pelo orvalho do caminhante. querendo parar, inventa mistérios que não existem e  com propriedade  os  mistérios acontecem ao seu desconhecimento como a coisa mais sólida do pensamento.

É necessário parar, ainda com a cabeça sobre os ombros, anjos  sem o peso do mundo exposto à intempérie, o globo  vem talvez desabar no pescoço para chegar ao mais intimo recesso da nuca,  a habitação do homem nunca parado. o homem que persegue a carne  para sobreviver, que caça a sua presa e lhe bebe o  sangue.  Um  lírio que não seja capaz de se mover senão no sopro do vento não é decerto um parasita da ondulação do trigo; escutar uma paisagem é prosseguir em circulo com passos aéreos.

Raros são os passos ao acaso ou com o propósito de perseguir o vento  pelos bosques. Esquecer os passos na determinação do caminho é o que mais me devolve ao que parece a ilusão dos limites. Uma ilusão, quando persiste, é grito e tem forma. É realidade e transcende a abstração da ilusão sem forma. Toca-se, ou trinca-se como   maçã  na extravagância da imaginação.  O desejo do que pode ser tocado mas não beijado com paixão pode mudar o destino dum homem, ser a criação de um poema em qualquer lugar junto da pele.

Ninguém sabe exactamente que horas são nos passos que se atravessam nos astros.  ninguém pode dizer, naqueles passos são cinco horas da tarde, hora do chá , tempo  do pão castanho que aguarda o movimento da  língua desde a sementeira do centeio.

Sinto o silêncio como hortelã mastigada no frio. Se o amor me assusta e sinto medo quando me sinto feliz, um  beijo que me peça paz, e o medo cai .´

© M.Dulce Guerreiro

in "Hortelã Mastigada no Frio"